Barreiras que Protegem Vidas

Artigo escrito por Sidnei Sant'Ana de Castro Jr. e retirado da revista Enfoque; 21(2): 18-21, jun. 1995.
Campos e aventais cirúrgicos descartáveis garantem maior proteção a médicos, enfermeiros e pacientes e reduzem as taxas de infecção hospitalar
A medicina moderna há muito cobre o paciente com campos cirúrgicos e
paramentam os membros da equipe médica com aventais cirúrgicos – atitudes essenciais para a prevenção da migração bacteriana de áreas não estéreis dentro do campo cirúrgico (C.C.) para a área de incisão do paciente.O propósito dos campos e aventais cirúrgicos, portanto, é formar uma barreira efetiva entre “áreas estéreis e não estéreis”, prevenindo assim “a migração de micro-organismos para feridas limpas” (1), e criar e manter um ambiente asséptico na sala cirúrgica.
É relativamente fácil criar um ambiente asséptico. O difícil é manter a
assepsia com o passar do tempo, como é necessário em procedimentos cirúrgicos.
As primeiras respostas/soluções disponíveis para a realização de
procedimentos assépticos se constituíram em campos e aventais de tecido – esterilizados a vapor – que seriam uma barreira à migração bacteriana no campo cirúrgico. Tais materiais ainda são usados hoje em aproximadamente 80% dos procedimentos cirúrgicos realizados no mundo.
O tecido utilizado é geralmente de fibras de algodão, similar aos das
camisas e roupas que vestimos todos os dias – resistente, suave, frescos e confortáveis, sem, no entanto, ser uma barreira à migração bacteriana.
Os hospitais compram o tecido ou campos e aventais prontos. Nos casos
de compras de tecidos, é necessário que o hospital corte, costure e manufature os produtos. Aventais e campos já prontos começam então um ciclo durante o qual serão lavados, dobrados, embalados, esterilizados e enviados ao local de uso, utilizados, enviados de volta à lavanderia, consertados se necessário, relavados, terão seus fiapos retirados, serão inspecionados, embalados, esterilizados e começam o ciclo novamente.
Na sala cirúrgica os campos são colocados no paciente – com pedaços
quadrados ou retangulares – e formam uma janela ou uma abertura para a área de incisão. Para minimizar a passagem de fluídos, geralmente são utilizadas várias camadas de campos cirúrgicos.
Os cada vez mais, numerosos, novos e altamente especializados
procedimentos cirúrgicos requerem o manuseio hábil dos campos durante a aplicação, a qual se torna cada dia mais difícil, exigindo pessoal altamente especializado/qualificado.
A questão é: dado o tempo, esforço e atenção necessários hoje na
utilização dos campos e aventais cirúrgicos, podemos afirmar que os mesmos sejam eficazes no trabalho de criar e manter um ambiente asséptico ao redor do paciente cirúrgico?
Barreira para bactérias? - Tal pergunta foi analisada pela primeira vez
no início da década de 50 por Dr. William Beck. Observando que os campos e aventais cirúrgicos, quando molhados, se tornam “uma peneira para passagem de bactérias”, ele concluiu que “tecido molhado não é barreira à contaminação bacteriana” (2). Alguns anos mais tarde, o médico recomendou, enfaticamente, que, “nas atuais circunstâncias, campos e aventais de tecido devem ser abandonados” (3).
O Dr. William Sweeney expressou seu apoio ao trabalho prévio do Dr.
Beck em 1964, ao perceber que o tecido de algodão não resiste à passagem de água, soro, sangue e de fluídos aquosos de bactérias (4). Em 1969, o Dr. Peter Dinnem, do hospital de Nova York, concluiu estudos medindo a penetração bacteriana em campos cirúrgicos e concluiu: as bactérias imediatamente penetram tanto em uma camada única de tecidos como em camadas duplas (5).
Os aventais de tecidos também foram testados pelos Doutores John
Chamley e N. Eftechar. Descobriram que micro-organismos emitidos pelo corpo do cirurgião podem penetrar os aventais cirúrgicos e infectar feridas (6).
A afirmação foi apoiada pela Associação Americana de Hospitais em uma
monografia: “As roupas de baixo dos cirurgiões estão frequentemente manchadas de sangue ao final de grandes cirurgias. Se um glóbulo vermelho pode passar para a roupa de baixo do cirurgião, aproximadamente 50 coccis poderiam passar na direção oposta para o paciente. Um avental molhado não é barreira à disseminação de infecção” (7).
Na década de 70, a conscientização sobre o papel dos micro-organismos
aerotransportados nas infecções foi expressa por Charles Scott, da Universidade de Dundee: “A emissão aérea de partículas contaminadas é uma das principais causas de infecção hospitalar e, particularmente, da infecção na ferida cirúrgica” (7). O Dr. J. A. Ulrich descobriu, posteriormente, que a fonte primária e contínua de organismos que contaminam o ar da sala de cirurgia é a própria equipe cirúrgica (9). Uma pessoa vestindo um avental de tecido sobre roupas comuns emite 9,2 bilhões de partículas bacterianas, com diâmetro entre 0,5 e 100 microns – a cada minuto.O Staphylococcus aureus, particularmente problemático devido as suas muitas formas e a sua resistência a antibióticos, tem um tamanho médio de 12 microns (8).
Conclusão: Campos e Aventais cirúrgicos de tecidos não são uma
barreira efetiva as bactérias e, quando molhados, auxiliam na passagem delas - de áreas não estéreis para áreas estéreis. Desta forma, o tempo, o esforço e atenção gastos pelos hospitais com o manuseio e preparação de campos e aventais cirúrgicos de tecidos são inúteis.
Taxas de infecção – Artigos sobre infecção pós-operatória começaram a
surgira nos Estados Unidos no início dos anos 70, quando o Dr W. A. Altemeir estimou que perto de 1 milhão e 400 mil dos 18 milhões e 800 mil pacientes cirúrgicos desenvolvem infecções por ano - uma taxa de 7,4% (10). Hoje é aceito e apoiado pelo CDC (Center of Disease Control) que 5 a 6 % dos pacientes americanos hospitalizados adquirem infecções, numa taxa que varia de 31% (em cirurgias de cólon e reto) a 2 % (em neurocirurgia). Outros dados mostram uma taxa de infecção de 4,4 % para cirurgias limpas contra 25% para cirurgias contaminadas. Em resumo, a comunidade médica reconhece uma taxa de infecção de 5% nos EUA atualmente.
Estudos realizados em outros países deram sustentação aos dados
americanos. Na Inglaterra, por exemplo, dos 3.276 casos estudos, a taxa de infecção chegou a 9,4% (11). Na Inglaterra, entre 23.649 casos a taxa foi de 4,8% (14). Na Suécia dos 2.827 casos analisados o índice chegou a 7,5% (16).
As conseqüências da infecção de feridas cirúrgicas são dramáticas e tem
impacto sobre o paciente, a comunidade e a equipe médica - sem mencionar o impacto financeiro sobre todos os envolvidos. A duração média da estadia média no hospital é praticamente o dobro onde ocorrem infecções (14, 17). Na Inglaterra pelo menos 500 pessoas morrem por ano com o resultado de infecções no trato urinário (18).
Em Atlanta nos Estados Unidos as infecções adquiridas em hospitais
foram apontadas como a quarta maior causa de mortalidade no país, atrás apenas de ataques cardíacos, do câncer e das doenças do coração. Há também uma ameaça invisível a comunidade: pacientes liberados pelos hospitais, que abrigam formas resistentes de Staphilococcus (19). O uso indiscriminado de antibióticos, além de caro, podem levar ao desenvolvimento de formas resistentes que complicariam ainda mais a situação (20).
Os custos financeiros resultantes de uma infecção adquirida em um
hospital são perturbadores. O Dr. Altemeir em seu estudo (10), estimou um custo adicional de US$ 7 mil por pacientes infectado - um custo anual de US$ 10 bilhões apenas nos EUA. Estudos mais recentes nos EUA (14, 21, 22), Inglaterra (23) e Escandinávia (24) estimam o custo das infecções entre US$ 600 e US$ 7 mil por paciente. Um custo médio de US$ 1 mil por cada paciente infectado pode ser considerado bastante razoável.
Tomando-se a mínima taxa de infecção de 5% e o custo médio de US$ 1
mil por paciente infectado, pode-se projetar o custo de infecção ao redor do mundo na casa dos milhões de dólares. Se um hospital realizar 5 mil procedimentos cirúrgicos por ano vai gastar US$ 500 mil adicionais.
Tais custos são carregados por todos nós. Seja através do pagamento
através dos hospitais, dos prêmios para as companhias de seguros e/ou impostos recolhidos pelos governos.
São precisamente essas conseqüências humanas, médicas e financeiras
e o papel crítico desempenhado pelos campos e aventais cirúrgicos na “criação e manutenção de ambiente asséptico” que levam cada dia mais profissionais da área de Saúde a desenvolverem estudos comparativos entre a performance de campos e aventais cirúrgicos de algodão e descartáveis.
Estudos comparativos: - Desenvolvido em 1982 pelo Dr. Joseph
Moylan, cirurgião chefe da Duke University, conceituada universidade dosa EUA, o trabalho envolveu a observação de 2253 procedimentos cirúrgicos no Duke Hospital e no Veterans Administration Hospital. Durante 18 meses, os pacientes foram avaliados nos 30 dias subseqüentes às cirurgias.
Foram utilizados, para fins de comparação, dois tipos de campos e
aventais cirúrgicos. Um convencional, de algodão, e outro, composto por campos e aventais descartáveis confeccionados em não-tecido. Do total das cirurgias 1.100 foram realizados com o sistema descartável e 1.153 com sistema de algodão.
A taxa de infecção com o sistema descartável foi 25 em 1.100 cirurgias –
ou seja, 2,27%. No sistema convencional a taxa foi de 74 em 1153 cirurgias, 6,41%.
Dividindo-se as feridas em limpas e limpo contaminadas, também foram
notadas diferenças. Nas feridas limpas, as taxas foram de 1,98% com sistema descartável e 4,42% com sistema de algodão. Nas limpo-contaminadas a diferença foi maior: 2,09% com o tipo descartável e 10,89 % com o tipo algodão.
Outra variável considerada foi o tipo de algodão utilizado. No Duke
Hospital utilizou-se algodão de 280 fios enquanto no Veterans Hospital optou-se por o de 140 fios. Mesmo assim, foram observadas diferenças significativas.
No Duke a taxa geral de infecção com o sistema de algodão foi de 4,75%
contra 1,83% com o sistema descartável. No Veterans a taxa com o sistema de algodão foi 8,28% contra 3,07 % com o sistema descartável. Ou seja: nos dois hospitais o desempenho do descartável foi superior.
O autor do estudo acredita que a diferença entre as taxas de infecção foi
motivada não só pelo material utilizado mas também pelo tipo de procedimentos realizados, a idade e o sexo dos pacientes e o número de procedimentos de emergência.
Outros fatores que têm influência na ocorrência de infecção da ferida
cirúrgica são o sexo, a idade do paciente, a duração e o tipo de procedimento cirúrgico e a administração de antibióticos pré-operatórios.
Ainda assim os números apresentados no estudo do Dr. Moylan mostram
significativas diferenças nas taxas de infecção, quando comparados os dois sistemas utilizados de campos e aventais cirúrgicos. Tais diferenças não podem ser ignoradas.
Desta forma, acreditamos que os campos e aventais cirúrgicos
descartáveis se constituem em uma grande de área de oportunidade para a melhoria dos serviços médicos prestados, bem como para uma maior proteção dos profissionais da Saúde. Talvez seja a mudança com maior potencial de redução de infecção em nossos dias, com um investimento relativamente pequeno.
E isso não é pouco.
As referências bibliográficas deste artigo você pode encontrar neste link.